Em entrevista realizada no dia 30 de janeiro de 2008, em
Brasília, o Diretor-presidente do Centro Indígena
de Estudos e Pesquisas – CINEP, Gersem José
dos Santos Luciano Baniwa, antropólogo e representante
indígena no Conselho Nacional de Educação,
fala a Trilhas de conhecimentos sobre o papel do CINEP,
a situação dos povos indígenas no Brasil,
e mais particularmente sobre a questão da educação
indígena no país, bem como sobre as ações
e omissões do governo sobre estas e outras questões.
De acordo com Gersem Baniwa, alguns avanços nos últimos
anos provocaram mudanças importantes no cenário
da inclusão indígena em diferentes níveis
de ensino. No entanto, ele acredita que estas medidas trazem
novos desafios, já que houve um salto quantitativo
que deve ser acompanhado por uma melhoria na qualidade do
ensino. Hoje, cerca de 5.000 índios já cursaram
ou estão cursando o ensino superior em todo o país.
Ele salienta, também, que se houve um salto quantitativo
no ensino superior, o mesmo não pode ser constatado
no ensino médio.
O diretor-presidente do CINEP comentou também sobre
a entrega do “MANIFESTO EM FAVOR DE UMA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA DE QUALIDADE” (documento assinado
por diferentes organizações indígenas,
COIAB, APOINME, além do CINEP (02 a 05 de julho de
2007), ao Ministro da Educação, Fernando Haddad.
Para Gersem, o ato serviu para colocar a educação
indígena na agenda do MEC, provocando um debate interno
no ministério e também influenciou na criação
do Plano de Ações Articuladas – PAR,
que trouxe o debate para o âmbito dos estados e municípios,
o que contribui para superar qualquer política de
exclusão e discriminação. No entanto,
ele chama a atenção para o fato de que é
fundamental o diálogo e o envolvimento dos indígenas
neste processo, o que não ocorre no âmbito
no MEC e deve ser resgatado.
Em relação à sua participação
no Conselho Nacional de Educação, o antropólogo
afirma que uma primeira conquista é o espaço
em si, o simples fato de ter um representante indígena,
que dê visibilidade ao tema e à população
indígena numa instituição histórica,
que de certa maneira espelha muitas vezes a cara da sociedade
brasileira comandada por segmentos minoritários,
mas de elite. Ele diz que a presença do indígena,
assim como a do representante negro, que são representações
recentes, muda bastante a percepção do Conselho,
da própria instituição e dos seus membros.
Além do fato de que esta presença, em sua
opinião, produz um debate, um diálogo, o que
gera um conhecimento maior sobre o contexto indígena
dentro da instituição, do governo, e principalmente
no Ministério da Educação.
Com relação às atribuições
do Conselho Nacional de Educação, ele faz
algumas ressalvas. Primeiro pelo próprio papel institucional
do Conselho que é limitado à normatização
de leis já existentes, não podendo propor
políticas, como é o caso do Conselho Nacional
de Saúde, por exemplo, que formula políticas
e discute orçamento. Ele critica o fato, também,
de que até hoje, em termos de orientação
político-pedagógica da educação
escolar indígena, apenas o ensino fundamental é
regulamentado, basicamente de primeira à oitava série,
por meio de diretrizes e parâmetros, o que não
existe para os outros segmentos. A educação
infantil, outro ponto apontado pelo diretor-presidente do
CINEP, é um enorme problema hoje, porque não
tem nenhuma orientação pedagógica,
nenhuma diretriz, nenhum parâmetro definido por alguma
instância superior como o Conselho Nacional de Educação.
Da mesma forma, diz que no ensino médio, por falta
de diretrizes também, são as instituições,
os sistemas de ensino, que formulam e as oferecem conforme
as suas convicções, conforme entendem, e não
há nenhuma orientação para isso. Para
ele, só isso já é uma grande tarefa
para o Conselho.
No entanto, ele enfatiza que apesar do Conselho não
ter recursos, por exemplo, para chamar os índios
e debater esses assuntos, a partir do que poderiam ser gerados
novos procedimentos de regulamentação, e também
pela sua limitação em função
da própria missão institucional, mesmo assim
ele acredita que a presença indígena no Conselho
é fundamental para dar essa visibilidade e poder
permanentemente, produzir a discussão, o debate e
o acompanhamento das políticas de educação
dos seus povos.
Segundo o representante indígena, as perspectivas
em relação ao futuro da educação
escolar indígena, principalmente no ensino médio
e superior, sofrem, por um lado, com a falta de engajamento
do próprio movimento indígena, tendo em vista
que são valorizadas prioridades como as questões
fundiárias e de saúde também. Por outro,
por parte do governo, cuja necessidade de um diálogo
transparente é urgente, já que como ele diz,
há cerca de dois anos, por diversos motivos, essa
interlocução não existe. Ele reafirma
que é necessária a criação de
uma verdadeira política de educação
escolar indígena, principalmente para o ensino médio
e para o superior mais especificamente, não só
em termos de diretrizes, mas também de políticas
de financiamento, de assistência técnica e
até de pessoal. Para ele, o ensino fundamental tem
avançado nestes aspectos.
O CINEP, diz Gersem, foi concebido com o objetivo de respaldar
essa articulação, aglutinando as diversas
correntes do movimento indígena, sejam elas lideranças
políticas, sejam os professores, ou ainda as organizações
constituídas e engajadas nessas questões.
Ele entende que as ações do governo são
resultantes das correlações de força,
então os índios têm que se mobilizar,
se habilitar para construir o diálogo e a interlocução,
para nos momentos necessários, imprimir a pressão
e mobilização necessárias para se avançar.
Ele acredita, também, que a chegada dos indígenas
no ensino superior vai mudar, de algum modo, a configuração
do movimento indígena, a correlação
de forças com os outros segmentos sociais e com o
governo.
Ainda com relação ao ensino superior indígena,
Gersem crê que a missão do CINEP é lutar
por uma boa formação de qualidade, seja isso
dentro da academia ou fora. Caso a academia não seja
capaz de dar uma educação, uma formação
de qualidade, o CINEP, em conjunto com outras organizações
indígenas, e os aliados e parceiros não indígenas
podem contribuir complementarmente para que essa formação
ganhe qualidade.
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