A ivermectina continua sendo um assunto constante no tratamento (precoce ou não) da Covid-19. O medicamento antiparasitário começou a ser utilizado em larga escala para a doença depois que um estudo do início de 2020 indicava que ele era potencialmente benéfico contra a replicação do SARS-CoV-2, o coronavírus.
Recentemente, descobriu-se que essas evidências eram rasas, baseadas em uma única pesquisa, que inclusive foi retirada do ar por denuncias éticas. O fato aponta para o caráter vulnerável da ciência atual.
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Segundo o The ScienceAlert, não é exagero dizer que um único artigo fez com que milhares, senão milhões de pessoas utilizassem ivermectina – uma droga usada contra parasitas, como vermes e piolhos – para prevenir e/ou tratar Covid-19. Esse estudo, supostamente aprovado FDA (Food and Drug Administration, agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos) se tornou popular em todo o mundo.
O título do estudo, “O medicamento aprovado pelo FDA ivermectina inibe a replicação do SARS-CoV-2 in vitro ”, criou muita confusão. A publicação do artigo gerou uma resposta da FDA, que emitiu um alerta em abril do ano passado alegando que as descobertas não comprovavam a eficácia clínica da ivermectina para o combate ao coronavírus, nem em humanos e nem em animais.
Ainda assim, a pesquisa, publicada pelo grupo norte-americano Surgispherefoi, foi lida por mais de 100.000 vezes, citada por dezenas de artigos acadêmicos e englobada em diversos planejamentos em saúde ao redor do mundo, inclusive no Brasil.
Segundo os seus defensores, a ivermectina seria, como os autores do estudo alegaram, uma “droga maravilhosa” para a Covid-19.
Há poucos dias, no entanto, o mesmo estudo foi retirado do ar em meio a denúncias envolvendo questões éticas: fraude e plágio. Um estudante de mestrado da Universidade de Oxford, designado para ler o artigo como parte de seu diploma, notou que toda a introdução parecia ter sido copiada de artigos científicos anteriores. Além disso, uma análise posterior revelou que a ficha técnica do estudo publicada online pelos autores continha graves irregularidades.
A pré-impressão endossando a ivermectina como terapia de coronavírus foi amplamente citada, mas pesquisadores independentes puderam facilmente encontraram discrepâncias nos dados. Graves são as consequências para a ciência.
Conforme as novas análises, os autores do estudo relataram testes estatísticos incorretos em vários pontos, desvios padrão que eram extremamente implausíveis e um grau de eficácia completamente questionável – a última vez que a comunidade médica encontrou um benefício de mais de 90% para um medicamento foi com a descoberta de antirretrovirais para tratar a AIDS.
Jornalistas e cientistas analisam que a seriedade atribuída aos resultados contrastou diretamente com a qualidade do estudo. E para eles, essa falha é um grande desgaste para a comunidade científica.
“Causa estranheza uma pesquisa tão cheia de buracos que um estudante de medicina levou apenas algumas horas para desmontar por completo”, comentam James Heathers e Gideon Meyerowitz-Katz para o The ScienceAlert.
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O lamentável episódio não implica dizer que todos os pesquisadores são desonestos, mas cria um alerta: deve-se receber novas informações na pesquisa em saúde a partir de um nível básico de ceticismo categoricamente diferente em oposição à confiança cega.
“Talvez seja a hora de mudar nossa perspectiva básica sobre a pesquisa em saúde e assumir que são fraudulentas até que se prove o contrário”, completou, Richard Smith, editor do British Medical Journal.
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