O novo coronavírus circulava no Espírito Santo antes mesmo do primeiro alerta sobre os casos de Covid-19 detectados em Wuhan, na China, em 31 de dezembro de 2019. Essa foi a conclusão de um estudo do Laboratório Central de Saúde Pública do Espírito Santo (Lacen/ES) coordenado pela Secretaria de Saúde do Estado (Sesa). O levantamento detectou a presença de anticorpos IgG específicos contra o novo coronavírus em amostras de sangue de dezembro de 2019.
Antes da publicação do estudo, acreditava-se que o primeiro caso de Covid-19 no Estado era de 26 de fevereiro de 2020. A ocorrência envolvia uma moradora de Vila Velha que havia retornado de uma viagem à Itália. Só que o período inicial da pandemia coincidiu com uma epidemia de dengue e chikungunya no Estado e os sintomas de pacientes com essas arboviroses são bem semelhantes aos dos contaminados com Covid-19.
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Isso foi motivo de sobra para que, em junho de 2020, o Espírito Santo iniciasse uma investigação sobre a presença do novo coronavírus na região. O objetivo era averiguar se nenhum caso de Covid-19 teria sido confundido com ocorrências de dengue ou chikungunya.
Nésio Fernandes, secretário de Saúde do Estado do Espírito Santo, explica que as arboviroses produzem síndromes febris, que também são características da Covid-19. “Isso nos levou a levantar algumas hipóteses no que diz respeito à possibilidade de que os supostos casos de arboviroses poderiam ser, na realidade, do novo coronavírus”, explica.
Eles decidiram, então, testar amostras de sangue presentes nas sorotecas de instituições públicas para detectar possíveis infecções por Covid-19. O projeto foi publicado como portaria no Diário Oficial do Espírito Santo em 11 de agosto de 2020.
O que diz o estudo
A Sesa então recorreu ao Lacen/ES para iniciar os experimentos. Ao todo, 7.730 amostras de sangue foram analisadas. Dessas, 210 (2,85%) apresentaram anticorpos IgG específicos contra o novo coronavírus.
De acordo com a pesquisa, 16 amostras com anticorpos IgG foram coletadas antes do fim de fevereiro de 2020. O primeiro caso não diagnosticado de Covid-19 estava em uma coleta de 18 de dezembro de 2019 — bem antes do primeiro alerta do governo chinês.
Isso significa que o novo coronavírus circulava na região antes mesmo do carnaval de 2020. Além disso, indica que a não detecção do microrganismo pode ter tido impacto na sua disseminação no Estado.
Em entrevista ao Olhar Digital, Rodrigo Ribeiro Rodrigues, coordenador-geral do Lacen/ES, explica que um dos aspectos mais importantes do estudo foi a descoberta de que vários pacientes com Covid-19 não foram diagnosticados em tempo. “Como havia uma epidemia de dengue e chikungunya na região, e os sintomas são muito parecidos, isso dificultou o diagnóstico clínico dos casos. Essa falha na identificação precoce pode ter favorecido a disseminação da doença.”
O estudo também contou com o apoio do Núcleo de Doenças Infecciosas, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, da Universidade Nova de Lisboa, de Portugal. Os resultados foram publicados na revista científica Plos One.
Origem da doença no ES é incerta
O fato de a primeira amostra com anticorpos IgG no Espírito Santo ser de 18 de dezembro de 2019 pode indicar que o vírus estava em circulação desde novembro daquele ano por lá. Isso porque o paciente recuperado de Covid-19 atinge níveis detectáveis de anticorpos IgG cerca de 15 ou 20 dias após a infecção.
Não se sabe ao certo como o primeiro suspeito com Covid-19 do Estado contraiu a doença. O Lacen/ES e a Sesa continuam a investigar a presença do vírus no Espírito Santo em 2019. “No momento, estamos colhendo novas amostras dos casos identificados. Vamos submeter as amostras originalmente testadas e as recém-colhidas a ensaios de microneutralização para identificar a presença de anticorpos neutralizantes, o que pode confirmar nossos achados”, conta Rodrigues.
O coordenador-geral do Lacen/ES afirma que investigações de campo também estão em andamento. Isso inclui visitas e entrevistas com os casos identificados pelo estudo.