A polícia de Singapura poderá usar dados coletados a partir do app de rastreamento de contatos da Covid-19 em investigações criminais. O aplicativo, que está sendo usado por quase 80% da população de 5,7 milhões de habitantes, é obrigatório para a entrada em locais como shoppings e supermercados.
A plataforma TraceTogether é uma das mais usadas do mundo, e terá seus dados criptografados e armazenados localmente apenas se os indivíduos testarem positivo para o coronavírus. “Não excluímos o uso de dados do TraceTogether em circunstâncias em que a segurança dos cidadãos é ou foi afetada, e isso se aplica a todos os outros dados também”, afirmou o Ministro de Estado para Assuntos Internos, Desmond Tan.
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Em declarações anteriores, o governo da cidade-estado havia descartado explicitamente que os dados seriam usados para qualquer outra coisa que não o rastreamento de vírus. Singapura soma pouco mais de 58 mil casos confirmados de Covid-19 e 29 mortes, com um número diário de novos casos não superior a 40 desde setembro.
Porém, recentemente, a declaração de privacidade no site do TraceTogether foi modificada para afirmar que “o Código de Processo Penal se aplica a todos os dados sob a jurisdição de Singapura”. A atualização no documento ainda especificou que “dados do TraceTogether podem ser usados em circunstâncias em que a segurança e proteção do cidadão é ou foi afetada”.
O ministro das Relações Exteriores do país, Vivian Balakrishnan, afirmou que, até onde vai seu conhecimento, a polícia só acessou uma vez os dados de rastreamento de contatos – em uma investigação sobre um assassinato. O ministro enfatizou, porém, que “assim que a pandemia acabar e não houver mais necessidade de rastreamento de contatos, ficaremos felizes em encerrar o programa TraceTogether”.
O anúncio, entretanto, polêmica nas redes sociais – especialmente em países que usam a mesma plataforma, como Austrália e Israel. “As preocupações se concentraram nas questões de segurança de dados associadas à coleta, uso e armazenamento de dados”, disse o escritório de advocacia Norton Rose Fullbright consultado pela Reuters.
“Estou desapontada, mas não surpresa”, disse a jornalista e ativista Kirsten Han à BBC. “Na verdade, isso é algo que tenho sinalizado como uma preocupação desde os primeiros dias do TraceTogether – e às vezes me disseram que eu era apenas uma criadora de medo que minava os esforços para lutar contra o Covid-19. Não é nada bom descobrir que eu estava certa”, completa.
Um morador que não quis se identificar disse à BBC que gostaria de poder deletar o aplicativo, mas a vida diária seria impossível sem ele. “Vou desativar meu bluetooth para o TraceTogether de agora em diante, a menos que tenha que usá-lo para entrar em algum lugar. Se o aplicativo não vai ser usado apenas para rastreamento de contato, então é uma invasão de privacidade”, afirmou.
A Digital Rights Watch, empresa australiana de vigilância da privacidade, se disse “extremamente preocupada” com as declarações do governo de Singapura. “Este é o pior cenário sobre o qual os defensores da privacidade alertaram desde o início da pandemia”, disse a diretora do programa Lucie Krahulcova à BBC. “Tal abordagem irá corroer a confiança do público nas respostas de saúde futuras e, portanto, impedir sua eficácia”.