Quando o início do desenvolvimento da Covishield, a vacina contra a Covid-19 criada pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, no Reino Unido, foi anunciado, em janeiro de 2020, a fórmula rapidamente ganhou incentivo internacional. Cada novidade sobre ela era muito celebrada. O tempo passou e, dez meses depois, em novembro de 2020, o imunizante ficou pronto, após todos os testes necessários.
Agora, a substância está em uso em muitos países – entre eles o Brasil: por aqui, existe um acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para a produção e a transferência de tecnologia do imunizante –, mas dúvidas pairam sobre ela. Mesmo assim, especialistas avaliam que o imunizante é seguro e sua aplicação deve continuar: esse é o entendimento da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
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Os questionamentos começaram ainda em novembro do ano passado: poucos dias após a divulgação do índice de eficácia obtido pela vacina, foi revelado um erro de dosagem durante os testes – que levou a resultados diferentes dos anunciados pela empresa.
A confusão, entretanto, foi logo esclarecida: houve uma diferença de metodologia ao medir a quantidade de antígeno na vacina. “Enquanto os pesquisadores mediam por biologia molecular, o fabricante usou espectrometria. Foi isso que levou a uma diferença de resultados”, explica Sergio Siqueira, professor do curso de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). “Isso foi corrigido, os estudos foram refeitos com a padronização da dose e a eficácia obtida foi satisfatória.”
A fórmula, então, foi adotada mundo afora. A primeira aplicação da Covishield foi no Reino Unido: o paciente foi o britânico Brian Pinker. Pouco depois, no entanto, a eficácia em idosos foi colocada à prova: não havia dados suficientes para atestar que a substância os protegia efetivamente. Novos estudos da AstraZeneca e da Universidade de Oxford trouxeram resultados que demonstraram a eficácia do imunizante nesse grupo.
Como as vacinas têm sido usadas, em todo o mundo, em populações com risco aumentado para o desenvolvimento de outras doenças – como é o caso dos idosos –, o controle tem de ser constante. “É importante que se faça essa vigilância e, em alguns casos, vale até suspender o uso, como na Europa, para que sejam conduzidos estudos mais detalhados”, diz Siqueira. “Existem especialistas de agências reguladoras acompanhando todos esses processos e eles já perceberam que não há motivo para deixar de usar a vacina. Estudos mais detalhados trazem a certeza de que não há problemas. Por isso, devemos ter muita confiança.”
Formação de coágulos
Mais algumas semanas se passaram e a fórmula que parecia ser uma das soluções contra a Covid-19 teve novo revés: houve suspeita de que ela estivesse causando o aparecimento de coágulos nos indivíduos vacinados. Países europeus novamente suspenderam o uso para que o incidente fosse avaliado melhor.
Segundo Siqueira, a formação de coágulos, conhecida tecnicamente como eventos trombóticos, é frequente na população em geral. “Quando imaginamos que eles estão relacionados com um medicamento ou com uma vacina, buscamos observar se a quantidade de pessoas que desenvolvem o evento e foram vacinadas é maior do que a quantidade de pessoas, proporcionalmente, na população em geral”, explica ele. “E foi determinado que, nesse caso, da Covishield, não há diferença significativa.”
O professor destaca que ensaios clínicos podem passar por imprevistos. “É até bom que essas ocorrências sejam divulgadas porque esses resultados têm de ser públicos. Isso deveria dar a sensação de que, na verdade, os fabricantes têm um excesso de cuidado com a vacina”, destaca ele. “Então, não deveria ser motivo para que o imunizante fique sob dúvida.”
Aqui no Brasil, a Fiocruz tem aumentado a produção da Covishield e promete completar a entrega de 100,4 milhões de doses da substância, envasadas com ingrediente farmacêutico ativo (IFA) importado, até o meio do ano. Para o segundo semestre, a instituição promete fabricar mais 110 milhões de unidades no país já com o IFA nacionalizado.