Depois de meses de trabalho em home office, a jornalista brasileira Ana Livia Esteves, correspondente em Moscou da Sputnik Brasil, voltou a fazer coberturas presenciais. Foi em uma feira de alimentos na cidade, há três semanas. Ana mora na capital russa há quatro anos, desde que chegou lá para fazer mestrado, e agora já está imunizada contra a Covid-19: ela recebeu as duas doses da Sputnik V no início de janeiro.
Na Rússia, o imunizante já está disponível para interessados de qualquer idade. A aplicação foi oferecida inicialmente a grupos prioritários, mas agora todos os adultos já podem tomá-la.
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Ana conta que, desde o início, ficou animada para receber a injeção. “Tive conhecidos que participaram da fase 3 de testes e fiquei muito confiante. Não tive dúvidas: estava só esperando minha vez chegar. Eles abriram para adultos no fim de dezembro e eu logo decidi que queria começar 2021 vacinada”, lembra. “Hoje, me sinto muito protegida em relação a casos graves. Não tenho mais medo de morrer se eu eventualmente pegar o vírus. Me sinto muito bem.”
No dia da aplicação da primeira dose, a brasileira não sentiu nenhum efeito. “Tomei pela manhã e, nesse dia, não senti nada. No segundo dia, me senti muito cansada, com falta de energia, muita fome e vontade de dormir. Muitos amigos ficaram da mesma forma”, conta. Segundo ela, no terceiro dia já não haviam mais sintomas. “Acordei como se nada tivesse acontecido.” A segunda dose veio 21 dias depois, e os sintomas foram os mesmos, mas mais intensos. “No segundo dia, realmente é preciso descansar e curtir a vacina”, brinca.
Primeiro imunizante contra a Covid-19 registrado no mundo, a Sputnik V passou por descrédito quando foi anunciada. Ana explica, entretanto, que isso é um procedimento comum na Rússia: o imunizante tem de ser registrado para que seja possível iniciar os testes clínicos de fase 3 em humanos. “É parte da burocracia russa. É feito o registro justamente para ser possível fazer a fase 3. Como no ocidente é diferente, criou esse desentendimento”, diz.
Outro brasileiro que já está imunizado contra a Covid-19 é o historiador Rodrigo Ianhez. Residente da capital russa há quase 10 anos, ele tomou a vacina no centro comercial GUM, em frente ao Kremlin, na Praça Vermelha, em uma ação do governo local que oferecia a Sputnik V até para turistas – e ainda dava um sorvete para quem recebia a injeção.
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Ianhez conta que não ficou surpreso quando a Rússia foi a primeira a anunciar uma vacina contra a Covid-19. “O Instituto Gamaleya pesquisa os coronavírus há muitos anos. Nunca achei que a vacina fosse um blefe, porque os russos não arriscariam sua credibilidade em uma jogada de marketing sensacionalista”, diz. “O envio do primeiro satélite ao Espaço, o Sputnik-1, também foi recebido com ceticismo no Ocidente”, lembra.
Ele também teve a mesma reação de Ana à vacina: um cansaço extremo no dia seguinte à aplicação. “No próprio flyer sobre a vacina, essa reação é indicada como provável. Já na segunda dose, eu até esqueci que tinha tomado. Fui encontrar um amigo, pedi uma cerveja e só lembrei quando já estava na metade. E, pior, eles recomendam que não beba álcool depois de tomar a vacina”, diverte-se.
Sem teste de anticorpos
Nenhum dos dois brasileiros fez teste para saber se desenvolveram anticorpos depois de tomar a Sputnik V. “Eu nunca quis fazer o teste de anticorpos porque não quero ficar com uma falsa impressão de que posso abandonar as medidas de prevenção. Não vejo como isso pode me ajudar porque ainda estamos na pandemia e preciso me cuidar e cuidar do próximo”, avalia Ana. Ianhez diz que não vê necessidade de fazer o teste. “Não sou cético e me surpreenderia se não tivesse anticorpos”, explica. “Hoje, depois de ter tomado a vacina, me sinto bastante seguro.”
Apesar da ainda baixa adesão dos residentes locais à vacinação, a Rússia já começa a voltar ao normal – dentro do possível. O uso de máscara em ambientes fechados é obrigatório e respeitado, mas o comércio e as escolas já estão abertas e muitas empresas já aplicam o modelo híbrido de trabalho, com atividades presenciais e on-line.
Os imunizados observam com tristeza o que acontece no Brasil, que não tem doses suficientes para toda a população. “Infelizmente, não pude comemorar o fato de ter tomado a vacina contra a Covid-19 porque meus pais continuam sem acesso à imunização no Brasil. É uma sensação bastante desconfortável porque é como se eu tivesse furado uma fila mundial e recebido a proteção antes de pessoas que precisam mais que eu. Vendo as mais de três mil mortes diárias no Brasil há semanas, é como se eu fosse uma refugiada, que saiu de um país em guerra civil”, lamenta Ana.
Para Ianhez, este momento é angustiante. “Meus pais são jovens e ainda não sabem quando serão vacinados”, diz. “Espero que eles se vacinem logo, porque daqui não tenho o que fazer em relação a isso e nem adianta eu me preocupar demais”, lamenta. “Não consigo me imaginar por mais de um ano em lockdown.”
Sputnik V no Brasil
Por aqui, o uso da Sputnik V ainda não está autorizado. Não há previsão para que isso ocorra, já que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alega que faltam documentos para a análise do pedido de aprovação da substância para uso emergencial – nesta semana, o órgão negou a importação de um primeiro lote: os técnicos consideram que não há evidências de que o imunizante seja seguro ou eficaz. Para os próximos pedidos, essa situação pode mudar, se os documentos forem apresentados.
Enquanto a autorização não vem, a União Química, representante da Sputnik V no país, já adapta sua linha de produção para fabricar o ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da fórmula. O Ministério da Saúde e alguns estados já têm acordos com o Instituto Gamaleya, que criou a substância, para comprar o produto, e esperam apenas autorização para trazerem as primeira doses para o Brasil.
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