Onde você estava há exatamente um ano atrás? O dia 26 de fevereiro de 2020 foi marcante na história brasileira: foi quando o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, apesar de algumas dezenas de casos suspeitos terem sido acompanhados antes disso e um estudo da Fiocruz apontar que o país já tinha transmissão comunitária no início daquele mês, antes mesmo do Carnaval.
De lá para cá, a Covid-19, que sequer tinha um nome e era chamada apenas de “coronavírus” ou “novo coronavírus”, por ser geneticamente muito próximo do primeiro Sars-Cov, causador da Sars, passou rapidamente a fazer parte do cotidiano do brasileiro.
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A comunidade científica precisou se desdobrar em tempo recorde para combater uma doença que surgiu “do nada”, totalmente desconhecida, e tentar minimizar os estragos, que já superam 2 milhões de mortes no mundo, sendo mais de 250 mil especificamente no Brasil. Veja como o combate à pandemia mudou neste um ano de Covid-19 no Brasil:
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Prevenção
Não há como discutir que a mensagem de como se proteger contra a Covid-19 passou por grandes mudanças. Inicialmente, a informação que chegou à população era de que o vírus era contraído principalmente pelas mãos, ao tocar em uma superfície contaminada e levá-la ao nariz, boca ou olhos.
Também é impossível não lembrar que as primeiras orientações eram de que a população em geral não deveria usar máscaras. Na época, a recomendação era de que apenas quem manifestasse sintomas precisaria usar máscaras cirúrgicas, para minimizar a propagação. No entanto, o tempo mostrou que pessoas assintomáticas ou pré-sintomáticas, que ainda não manifestaram sinais da doença, também transmitem (e muito bem) o vírus.
A orientação, então, passou a ser geral: todos devem usar máscaras sempre, pois não há como saber se você já está infectado sem manifestar sintomas.
O tempo também tratou de mudar as perspectivas sobre máscaras. No início da pandemia, as pessoas foram orientadas a utilizar máscaras de pano como forma de “controle de origem”, minimizando a emissão de gotículas contaminadas, deixando o equipamento de proteção profissional para quem trabalha na área da saúde. Aos poucos, esse entendimento está mudando. Na Europa, cidadãos que não usam respiradores PFF2/N95 ou equivalentes, que contam com uma camada filtrante e são potentes não só para conter a transmissão, mas também para autoproteção, podem ser impedidos de circular em transporte público, por exemplo.
Esse tipo de equipamento mais potente não era recomendado pelo risco de que o uso generalizado pela população pudesse causar escassez para os profissionais de saúde. Hoje, no entanto, não é difícil encontrar estes acessórios a preços acessíveis. Fabricantes também têm recomendações de como reutilizar máscaras PFF2 de modo a não as jogar fora após cada uso, o que poderia causar escassez.
Um ponto que ainda traz confusão sobre a prevenção da Covid-19 são os aerossóis. Até hoje, autoridades de saúde, incluindo a OMS, batem cabeça em relação a esse tipo de transmissão, que acontece com a emissão de gotículas minúsculas que, de tão pequenas e leves, continuam flutuando no ar e podem se acumular em um ambiente com circulação insuficiente, atingindo pessoas a longas distâncias de quem está infectado. Cada vez mais especialistas apontam que esse tipo de transmissão não só é possível como é a causadora de eventos de super-espalhamento, mas até hoje a mensagem para o público não traz informações claras sobre evitar espaços fechados, restringindo-se à higiene das mãos e o distanciamento físico.
Tratamento
Com uma pandemia dessa proporção, o que não faltou foram tratamentos testados contra a Covid-19. Infelizmente, a maioria deles não apresentou o resultado que se esperava.
O maior expoente foi a cloroquina, ou a similar, a hidroxicloroquina. Graças a um estudo divulgado em março do ano passado, do qual até o autor Didier Raoult se retratou por causa das falhas metodológicas, o medicamento foi alçado a solução milagrosa. Primeiro, foi aplicado apenas em “uso compassivo”, em quem já estava em condições críticas de saúde. Depois, o medicamento foi usado cada vez mais precocemente, até passar a integrar o “tratamento precoce” defendido pelo Ministério da Saúde.
Pouco a pouco, os estudos começaram a sair e demonstraram que, até hoje, não há um medicamento comprovadamente eficaz para prevenir o agravamento da doença em suas etapas iniciais.
Isso não significa que não houve evolução neste aspecto. A ciência descobriu que o corticoesteroide dexametasona tem efeitos claros na redução de mortalidade dos pacientes que precisam de internação, controlando a tempestade de citocinas, que é um efeito hiperinflamatório causado pela resposta imunológica desmedida do organismo e que pode ser letal.
Outros medicamentos ainda estão sendo analisados para diversos casos. O antiviral molnupiravir, por exemplo, demonstrou grande eficácia em animais, em experimentos com furões e ratos, conseguindo cortar a infecção e combater o vírus nas etapas iniciais do contágio. Não se sabe se o efeito será o mesmo com seres humanos, mas os testes estão em andamento.
Outras drogas também estão em fase de ensaios clínicos com alguns resultados iniciais promissores. É o caso da colchicina, do tocilizumabe e até mesmo do “spray nasal israelense” EXO-CD24. Por enquanto, nada confirmado.
Vacinas
O que não parecia possível em fevereiro de 2020, é uma realidade em fevereiro de 2021. Ao longo de um ano de Covid-19 no Brasil e mais do que isso no mundo, a ciência conseguiu desenvolver vacinas em tempo recorde contra uma doença totalmente nova. A rapidez, inclusive, gerou dúvidas sobre se o desenvolvimento não foi rápido demais.
Não foi. É fato que algumas etapas burocráticas do processo foram aceleradas e os laboratórios iniciaram a produção em escala muito antes de saberem se os imunizantes seriam eficazes, mas os testes de segurança foram seguidos à risca. Então por que elas ficaram prontas tão rapidamente?
Primeiro, pelo fato de se basearem em tecnologias já existentes e conhecidas. Vacinas de vírus inativado, como a CoronaVac, já existem há décadas; o imunizante de Oxford/AstraZeneca foi desenvolvido tendo como base pesquisas de décadas contra a Sars. Já as apostas no mRNA, apesar de ser uma tecnologia nova, também são fruto de ampla pesquisa prévia mostrando sua viabilidade; além disso, por serem extremamente simples de serem produzidas, a BioNTech, parceria da Pfizer, conseguiu criar seu composto em questão de horas após o sequenciamento genético do vírus.
Segundo, os testes caminharam muito mais rápido do que o normal para uma vacina por um motivo muito simples: a pandemia descontrolada facilita bastante a obtenção dos resultados.
Normalmente, as fases 1 e 2 de um estudo de vacinas andam rápido: basta encontrar voluntários, aplicar os imunizantes e esperar o tempo previsto para analisar segurança e a produção de anticorpos. É na fase 3 que a situação complica, já que é preciso esperar um número pré-determinado de voluntários (incluindo os do grupo placebo, que não são imunizados) serem infectados pela doença naturalmente para então descobrir se a vacina funciona ou não.
Esse processo é demorado em uma doença comum. Imagine quantos anos não seriam necessários para que, entre um grupo de 50 mil pessoas acompanhadas em um estudo clínico, 200 pessoas contraíssem o HIV, por exemplo. Com a Covid-19, esse número pode ser atingido em questão de meses, simplesmente porque o vírus está circulando com grande facilidade pelo planeta inteiro.
E não há como discutir: elas funcionam. O grande observatório das vacinas, neste momento, é Israel, que tem imunizado sua população em ritmo incomparável, e já é possível observar que houve uma queda desproporcional na internação de idosos, que foram os primeiros a serem imunizados, em comparação com o resto dos habitantes. Outro estudo, na Escócia, também mostra ótimos resultados da imunização em massa.
Por aqui, no entanto, a situação das vacinas ainda é ruim, mesmo após um ano da Covid-19 no Brasil. Por aqui, o Ministério da Saúde tem recebido doses à conta-gotas, com o atraso na entrega do insumo farmacêutico ativo destinado ao Instituto Butantan e a Fiocruz. O governo também tem demorado a fechar acordos de fornecimento para o recebimento dos demais imunizantes.
Variantes
Uma coisa que mudou neste um ano de Covid-19 no Brasil para cá é que o vírus que está circulando não é mais o “selvagem”, descoberto em Wuhan no fim de 2019. As variantes começaram a ser percebidas em várias partes do mundo, demonstrando que o vírus está se adaptando cada vez mais ao ser humano.
Vale notar que variantes não são uma novidade. Desde que a OMS declarou a Covid-19 como uma pandemia, uma mutação se tornou dominante no mundo inteiro, conhecida como D614G e que foi associada a maior transmissibilidade em relação ao vírus selvagem. O que estão surgindo agora são as novas cepas.
O Brasil, que nunca controlou o vírus, detectou duas variantes aparentemente geradas no país: P.1 e P.2. A primeira tem sido apresentada como especialmente preocupante, detectada inicialmente em Manaus, em meio à crise que resultou no colapso do sistema de saúde no estado. Ela conta com mutações associadas tanto com a maior transmissibilidade quanto com a evasão imune, com maiores riscos de reinfectar quem se curou ou de escapar da proteção gerada pelas vacinas.
Ao redor do mundo, outras variantes preocupantes se destacam. Uma delas é a B.1.1.7, descoberta no Reino Unido ainda em 2020, que está associada a maior transmissibilidade viral e, possivelmente, maior letalidade. Já na África do Sul foi descoberta a B.1.351, que é associada a evasão imune.