Uma das queixas do governo federal em relação à Pfizer é sobre cláusulas do contrato proposto pelo laboratório para a venda da vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela farmacêutica em parceria com a BioNTech. Agora, especialistas comentam que o acordo com a AstraZeneca para transferência de tecnologia de seu imunizante para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem aspectos que podem até contribuir para novos atrasos da vacinação no Brasil.
O contrato foi firmado em setembro de 2020, mas diversos pontos seguem em sigilo. O primeiro aspecto negativo é a flexibilidade nos prazos de entrega das vacinas — que traz incertezas ao cronograma brasileiro. “Há uma entrega prevista para julho, mas fazem um acordo de cavalheiros de que ela será feita antes, em janeiro. O que vale, no entanto, é o contrato. Se estivesse mais claro, o Plano Nacional de Imunização (PNI) poderia ter bases mais concretas”, aponta Fernando Aith, professor de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Cepedisa/USP.
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Esse pode ser um dos fatores para atrasar ainda mais a campanha de vacinação contra a Covid-19 no país. Na semana passada, por exemplo, a Fiocruz informou que entregará em março somente 3,8 milhões de doses de vacina das 15 milhões prometidas inicialmente. O motivo? Uma falha em uma máquina usada para fazer o envase do imunizante.
Além disso, o acordo impede que a Fiocruz produza outros imunizantes, o que limita a quantidade de doses de vacina contra Covid-19 no país, segundo Matthew Kavanagh, professor do Centro de Direito da Universidade de Georgetown, nos EUA. “Licenças exclusivas são antiéticas para a boa saúde pública. E são responsáveis diretas para que hoje exista um fornecimento de vacina limitado, que empaca planos de vacinação”, diz.
Já para Alexandre Padilha (PT-SP), ex-ministro da Saúde, que teve acesso à íntegra do contrato, a cláusula que proíbe a Fiocruz de comercializar e exportar a vacina contra a Covid-19 e a ausência dos preços pagos pelo imunizante são dois pontos críticos do documento. Sem ela, o Brasil poderia expandir a produção para outros países após suprir o mercado nacional, o que colocaria o país e a Fiocruz em evidência no âmbito internacional.
Além disso é de interesse público saber o preço da transferência de tecnologia da vacina da AstraZeneca para a Fiocruz. “Um acordo de transferência de tecnologia dura anos. Qual o preço por dose ao longo desse período? A empresa tem um preço inicial, pois vivemos hoje a pandemia, mas quer revê-lo depois. A sociedade deve ter acesso a esses valores”, defende.
O que dizem as instituições
A AstraZeneca reforça seu esforço ao lado de países e entidades para tornar a vacina mais acessível, de maneira justa e igualitária. A farmacêutica afirma que o contrato com a Fiocruz “segue a Lei da Transparência do Brasil” e que as cláusulas sigilosas se referem à propriedade industrial e a “demais assuntos da negociação, classificados de acordo com a Lei 12.527/2011 e seu Decreto 7.724/12”.
Já a Fiocruz argumenta que “nenhum produtor do mundo hoje fabrica duas vacinas diferentes contra a Covid-19”, já que o processo é “extremamente complexo”. A entidade diz que o acordo para a transferência da tecnologia da vacina contra a Covid-19 está limitado à produção de 100 milhões de doses, “totalmente destinadas ao Ministério da Saúde e ao SUS“. Se houver excedente, “será possível avaliar a destinação para outros territórios”.
Fonte: O Globo