O Brasil decidiu apostar na cloroquina e sua variação menos tóxica, a hidroxicloroquina, no combate à Covid-19. O Ministério da Saúde decidiu validar o uso do medicamento para casos mais graves, mesmo sabendo que até o momento ele foi utilizado apenas em estudos pequenos e pouco confiáveis, apesar de promissores. Mas afinal de contas, o que é a cloroquina?
O remédio de novo não tem nada. Desde 1944 ele é utilizado para o tratamento da malária e de lá para cá ganhou vários usos diferentes. Ele é importantíssimo para quem lúpus, e é utilizado, por exemplo, no tratamento da artrite reumatoide. Seus efeitos colaterais também já são bem conhecidos: o medicamento pode causar alterações oculares e emocionais, causar zumbidos e dores abdominais. Em situações mais graves, pode causar alopecia (queda de cabelo) e alterações na retina.
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Foi nos últimos dias que o nome ganhou força como candidato para tratar a Covid-19, que se espalha rapidamente pelo mundo e já vitimou mais de 11 mil pessoas. Os cientistas se inspiraram em estudos dos anos 2000 que mostraram eficácia do medicamento no combate à Sars, causada por um “irmão” próximo do Sars-Cov-2 (o novo coronavírus que tem causado a pandemia): o Sars-Cov, que também é classificado como um tipo de coronavírus. Os experimentos foram realizados in vitro, que é bem diferente da aplicação em humanos.
O coronavírus tem esse nome por causa dos “espinhos” que formam seu exterior, como uma coroa. É com esse mecanismo que ele consegue penetrar nas células e injetar seu RNA para se multiplicar dentro do organismo, realizando uma ligação com alguns receptores na membrana celular.
Os experimentos dos anos 2000 demonstraram resultados positivos para uma diferente variação do coronavírus afetando diretamente a capacidade do vírus injetar seu código genético nas células mexendo na forma como esses receptores agem. Desta forma, a replicação é inviabilizada.
Foi com esse embasamento que pesquisadores da Universidade de Aix-Marselha decidiram experimentar o medicamento, sem rigor científico, em um grupo pequeno de pacientes. O teste envolveu 36 pessoas, divididas em três grupos: um recebeu apenas o medicamento, outro recebeu a droga e um antibiótico chamado azitromicina, enquanto o terceiro grupo recebeu um tratamento convencional, o que é conhecido no meio científico como grupo de controle. Ao final do estudo, 70% dos pacientes tratados com os remédios foram considerados curados em seis dias, enquanto o grupo que não recebeu o medicamento só tinha 12,5% de curados. A redução no tempo de cura poderia ajudar a liberar leitos em hospitais, o que poderia diminuir a crise.
Um estudo com 36 pessoas é muito pouco para definir que o medicamento é realmente efetivo ou não. Especialistas concordam que os resultados promissores devem ser um estímulo para aprofundar as pesquisas com o devido rigor científico, como informou o doutor Ary Serpa Neto ao Olhar Digital. Sem esses testes, é possível colocar os pacientes ainda mais em risco, agravando a situação de pessoas que não enfrentam casos tão graves.
No entanto, o cenário é tão preocupante no Brasil, que o Ministério da Saúde optou por validar o uso do medicamento para o tratamento dos casos mais graves, que precisam de ajuda mais urgente, mesmo ciente de que os resultados obtidos até agora são muito frágeis.
Para Serpa Neto, a decisão é se mostra apressada e arriscada, seguindo uma política do desespero. O cenário é grave, então a decisão do ministério chega a ser compreensível, mas completamente errado do ponto de vista científico.
A Anvisa, que até quinta-feira (19) não recomendava a utilização do medicamento, decidiu limitar a sua compra, percebendo que muitas pessoas estavam comprando a droga em farmácias por pânico. Agora só é possível adquirir o produto com a receita médica